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23 de Abril de 2024

Artigo do conselheiro Rivelino Amaral: O acesso aos autos e a Súmula Vinculante Nº 14

há 11 anos

Preliminarmente cabe frisar que os direitos e prerrogativas dos advogados são intransigíveis, ou seja, não há espaço para aceitação de qualquer ato, modelo, procedimento ou portaria, que não respeite, na integra, os direitos e prerrogativas do advogado. Não há advogado sem liberdade e não há liberdade sem advogado. O principio não admite nenhuma transigência. ( Raymundo Faoro )

As prerrogativas profissionais diferenciam-se dos privilégios das corporações de oficio ou guildas [1] medievais. Como esclarece Max Weber, antes do Estado Moderno e da concepção de direito subjetivo, os direitos particulares apareciam normalmente sob a forma de direitos privilegiados, isto é, em ordenamentos estatuídos autonomamente por tradição ou acordo de comunidades tipo estamental ou de uniões socializadas. [2] Hoje, direitos e prerrogativas dos advogados são garantias constitucionais, que visam o livre exercício da advocacia.

Nas palavras do presidente da OAB Ophir Cavalcanti Junior as prerrogativas são o revestimento da Advocacia dos preceitos constitucionais necessários à defesa da ordem jurídica e do cumprimento das leis par a efetiva consolidação do Estado Democrático de Direito. Nenhuma outra profissão, não obstante a importância que cada uma delas representa em seu segmento particular, reúne tamanha responsabilidade social, advindo daí o fascínio que exerce ao longo da Historia. A Advocacia trata, na essência, da liberdade, o mais sagrado patrimônio concebido pelo homem.

No mesmo sentido o presidente da OAB/ES, Homero Junger Mafra,

As prerrogativas profissionais dos advogados constituem aquele conjunto de direitos e garantias que possibilitam o livre exercício profissional, dando concretude ao mandamento constitucional segundo o qual O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. [3] Por outro lado, e não menos importante, prerrogativa é direito, é garantia, é instrumento de defesa do cidadão, cabendo ao advogado, como dever, zelar pela exata observância de suas prerrogativas profissionais.

Não se confundem prerrogativas e privilégio. Como bem acentuou o Ministro Celso de Mello: Na realidade, as prerrogativas profissionais dos Advogados representam emanações da própria Constituição da República, pois, embora explicitadas no Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), foram concebidas com o elevado propósito de viabilizar a defesa da integridade das liberdades públicas, tais como formuladas e proclamadas em nosso ordenamento constitucional. As prerrogativas profissionais de que se acham investidos os Advogados, muito mais do que faculdades jurídicas que lhes são inerentes, traduzem, na concreção de seu alcance, meios essenciais destinados a ensejar a proteção e o amparo dos direitos e garantias que o sistema de direito constitucional reconhece às pessoas em geral (sejam elas brasileiras ou estrangeiras), notadamente quando submetidas à atividade persecutória e ao poder de coerção do Estado. É por tal razão que as prerrogativas profissionais não devem ser confundidas nem identificadas com meros privilégios de índole corporativa ou de caráter estamental, pois destinam-se, enquanto instrumentos vocacionados a preservar a atuação independente dos Advogados, a conferir efetividade às franquias constitucionais invocadas em defesa daqueles cujos interesses lhes são confiados. [4]

Ao inserir as prerrogativas profissionais no Estatuto da Advocacia, o legislador não cuidou de proteger os advogados, mas de conferir aos jurisdicionados, por seu representante em juízo, elementos que possibilitem que a discussão da causa se faça sem amarras e dotando-os de instrumentos para repelir os atos de arbítrio.

Embora destinadas aos advogados, os direitos garantidos pela Lei 8906/94 não nos pertencem. Pertencem a todos os cidadãos. Por isso, deles o advogado não pode dispor, incumbindo-lhe zelar e lutar por sua plena observância.

Dentre as garantias conferidas ao advogado para o exercício de seu mister, que, como dito alhures, não são privilégios, estão aquelas direcionadas ao bom e fiel exercício da advocacia, qual seja; o acesso aos autos.

Muitos são os reclamos dos advogados quando se deparam com a negativa de acesso aos autos, sendo eles findos ou e andamento, judiciais ou administrativos. O que não se admite!!!

Nunca é demais lembrar que o acesso aos autos, findos ou em andamento, são direitos invioláveis do advogado, para que possa exercer o seu mister, no interesse de seus clientes. Neste sentido é importante destacar que as prerrogativas dos advogados não visam a proteção do mesmo, e sim, e muito mais que isso, de seus constituintes, ou seja, daqueles que confiaram ao advogado uma historia de vida, sua liberdade, seu patrimônio, sua honra, dignidade, seu trabalho...

O direito de vistas pressupõe que o advogado tenha sido regularmente constituído, fazendo prova com a procuração, pois inclui o direito de retirar, no prazo legal, os autos ativos.

O direito de exame é prerrogativa de todos os advogados, para que tenham acesso a autos ativos, sem fazer prova de procuração, principalmente quando necessitam ter conhecimento de seu conteúdo, antes de aceitar ou rejeitar o patrocínio da causa. Para o exame o advogado pode fazer anotações, copiar ou fotocopiar os processos ou parte deles. [5]

Surgem então as barreiras para o acesso aos autos, sob o parco argumento de que esse processo/inquérito corre em segredo!!!

Importante destacar que não há que se falar em negativa de acesso aos autos, nenhum deles, para os advogados constituídos, sejam eles da Vara de Família, Criminal ou Inquéritos Policiais, nenhum!!!

A primeira turma do STF já se manifestou no HC 82.534 pela ilegalidade da proibição de vistas integral dos autos do inquérito policial. A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5, LXIII) que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é negado o acesso aos autos no inquérito, sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações.

No mesmo sentido o voto do Eminente Min. Celso de Mello Não constitui situação legitimamente oponível ao direito de acesso aos autos do inquérito policial, pelo indiciado, por meio do advogado, que haja constituído, sob pena de injustificável transgressão aos direitos do próprio indiciado e às prerrogativas profissionais de seu defensor técnico, especialmente se se considerar o que dispõe o Estatuto da Advocacia (Lei 8 906/94) em seu art 7, incisos XIII e XIV ( HC 86 059)

No inquérito Policial, admite-se o sigilo no momento da coleta das provas ou das diligencias; mas o resultado da diligencia não esta coberto por sigilo; ate porque o inquérito policial não é processo, mas procedimento administrativo. [6] Neste sentido o Min Sepúlveda Pertence, o advogado tem o direito de conhecer as informações já trazidas introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas a decretação e às vicissitudes da execução das diligencias em curso (HC 82 354 PR).

No Estado de Direito não há espaço para o sigilo em relação a defesa. O aceso dos autos e indispensável à garantia do devido processo legal. O respeito às prerrogativas dos advogados, como direito de vista dos autos, constitui em elemento indispensável à prevalência da ordem constitucional, como obstáculo à implantação de um estado policial no Brasil. [7]

A Ordem dos Advogados do Brasil, percebendo a necessidade de pacificar tal entendimento quanto o acesso aos autos, mesmo em segredo de justiça provocou o STF, obtendo êxito para a edição da sumula vinculante n 14 que trata do assunto.

SUMULA 14 E direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa

Finalizando, importante destacar que a Ordem dos Advogados do Brasil, mostra-se incansável na busca pela garantia dos direitos e prerrogativas dos Advogados.

Após duas grandes vitorias (a Aprovação da lei que tornou inviolável os escritórios de advocacia e a edição da sumula vinculante n 14 STF), busca agora a instituição um tipo penal especifico para a violação dos direitos e prerrogativas dos advogados, não obstante a aplicação do Art 3, j, da Lei 4.898/65 ( Art 3 - Constitui abuso de autoridade qualquer atentado...j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional (inlcuido pela lei 6657/79)).

A PLC 83/2008 tramita no Senado, sob a relatoria do Senador Demóstenes Torres. Segundo o aludido projeto de lei, a autoridade que desrespeitar prerrogativa de advogado ficara sujeita à punições autônomas e cumulativas nas áreas criminal, administrativa e civil:

a) No âmbito criminal, incide a pena de detenção por dez dias a seis meses, multa, perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo de ate três anos.

b) À sanção administrativa, de acordo com a gravidade do abuso cometido, consistira em advertência, suspensão do cargo e demissão, a bem do serviço público.

c) Na área civil, a autoridade responderá por indenização.

Alem disso o Ministério Público possui o prazo de 48h, contados da representação da vitima, para denuncia o réu (art 13), desde que o fato narrado constitua abuso de autoridade. Em caso de omissão, será admitida ação privada (art 16).

O advogado é imprescindível e as violações ininterruptas, mas não podem ser suficientes para nos calar, nos intimidar. Pelo contrario, servem-nos para que sejamos mais fortes, unidos e cada vez mais advogados!!!

Eis por que, seja quem for o acusado, e por mais horrenda que seja a acusação, o patrocínio do advogado, assim entendido e exercido assim, terá foros de meritório, e se recomendará como útil à sociedade. ( o Dever do Advogado - Ruy Barbosa )

Rivelino Amaral é advogado, conselheiro seccional da OAB-ES e presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-ES

[1]

As guildas, corporações artesanais ou corporações de ofício, eram associações de artesãos de um mesmo ramo, isto é, pessoas que desenvolviam a mesma atividade profissional que procuravam garantir os interesses de classe . Ocorreram na Europa, durante a Idade Média e mesmo após. Cada cidade tinha sua própria corporação de ofício. Essas corporações tinham como finalidade proteger seus integrantes. [2]

Paulo Lobo, in Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB 5 Ed, pg 47 [3]

Constituição Federal, artigo 133 [4]

Decisão proferida na Extradição 1085, colhida no sitio do Supremo Tribunal Federal. [5]

Paulo Lobo, in Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB 5 Ed, pg 74 [6]

Paulo Lobo, in Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB 5 Ed, pg 74 [7]

Cezar Brito e Marcus Vinicius Furtado Coelho, in A inviolabilidade do direito de defesa, 3 Ed, fls 81

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